CONCEITOS GERAIS
- As ITU são condições que ocorrem em qualquer fase da vida e, se você conversar com seus colegas da clínica médica, irá perceber que eles não dão tanta importância para estes quadros quanto nós damos. Essa diferença tem algumas origens históricas...
- Ainda que, atualmente, isso seja questionado por muitos autores*, as infecções urinárias na infância foram historicamente consideradas um fator de risco para o desenvolvimento de insuficiência renal ou doença renal terminal. É sabido que o quadro de ITU pode ser o sinalizador de alguma malformação do trato urinário; as crianças com estas malformações e que apresentam repetidos episódios de ITU estariam sob maior risco para complicações futuras. Devemos pensar que, neste sentido, as ITU seriam uma "janela de oportunidade" para descobrirmos alterações subjacentes em nosso paciente.
- Por conta disso, a ITU não deve ser abordada apenas como uma infecção bacteriana aguda, que necessita somente do tratamento imediato e nada mais. A identificação dos fatores de risco e o manejo correto das situações identificadas são fundamentais no seguimento desses pacientes.
EPIDEMIOLOGIA
- As ITU são eventos comuns na infância e ocorrem em todas as faixas etárias, mas a distribuição não é uniforme. Os quadros são especialmente comuns em crianças menores de um ano; a prevalência de ITU nos menores de um ano com febre é de cerca de 7%, mas chega a ser de 20% quando trata-se de um menino sem circuncisão.
- O primeiro ano de vida é a única época em que a prevalência das infecções urinárias é maior no sexo masculino do que no feminino. No primeiro ano, temos uma relação de prevalência entre meninos e meninas de 2,8–5,4:1, isto é, para cada menina com infecção urinária, temos até 5,4 meninos com o mesmo diagnóstico (a diferença é mais acentuada nos primeiros meses de vida). A partir de um ano de idade, essa relação se inverte, e passamos a ter dez meninas com infecção urinária para cada menino com o mesmo problema.
ETIOLOGIA
- BACTÉRIAS
- Diversos agentes podem estar implicados no desenvolvimento de uma ITU, mas os quadros são geralmente causados por bactérias colônicas. Tais bactérias podem colonizar as porções distais da uretra. No sexo feminino, a maioria das infecções são causadas pela Escherichia coli; em seguida temos infecções pela Klebsiella e por Proteus.
- No sexo masculino, embora a E. coli também seja o micro-organismo mais comum, alguns levantamentos indicam que, após um ano de idade, a infecção por Proteus seja tão comum quanto a infecção por E. coli.
- Os enterococos e o Staphylococcus saprophyticus podem ser causa de infecção urinária em ambos os sexos. Uma associação eventualmente abordada nas provas é entre a infecção pelo S. saprophyticus e as ITU associadas à atividade sexual no sexo feminino. Os imunodeprimidos e pacientes submetidos à manipulação do trato urinário podem apresentar infecções por Pseudomonas sp.; isso não é comum em crianças sem essas condições.
- VÍRUS E FUNGOS
- Os vírus também podem ser causa de ITU baixa, ou cistite. Alguns sorotipos de adenovírus podem estar tipicamente associados a um quadro de cistite hemorrágica (muito embora esse quadro também seja causado pela E. coli). As infecções fúngicas não são comuns e o principal fator de risco implicado é a utilização de esquemas antimicrobianos de amplo espectro com duração prolongada, a presença de cateteres urinários e quadro de imunossupressão
FISIOPATOLOGIA
- A quase totalidade dos quadros se estabelece por um mecanismo ascendente.
- As bactérias oriundas da flora fecal podem colonizar o períneo e chegam até a bexiga através da ascensão pela uretra. Como a uretra feminina é mais curta e mais próxima da região perineal que a masculina, não é difícil entender a maior proporção de casos no sexo feminino na maior parte da vida. Os meninos não circuncidados podem ter seu prepúcio colonizado por bactérias potencialmente patogênicas, o que também justifica a maior frequência nesta subpopulação.
- A proliferação de bactérias patogênicas no interior da bexiga pode levar ao quadro de cistite. Para que a pielonefrite se estabeleça, é necessário que essas bactérias percorram um trajeto mais longo e ascendam até os rins. A simples chegada da bactéria até a pelve renal não é o suficiente para que a pielonefrite ocorra. As papilas renais têm mecanismos antirrefluxo que evitam o retorno da urina eliminada na pelve renal para os túbulos coletores. Porém, esse refluxo pode eventualmente ocorrer (mais comumente nos polos superiores e inferiores), desencadeando uma resposta imunológica e inflamatória, que é a pielonefrite aguda.
- O quadro de pielonefrite aguda também pode, raramente, ser secundário à disseminação bacteriana hematogênica (essa pode ser a via de contaminação em alguns recém-nascidos). As temidas cicatrizes renais com perda de função renal podem ser sequelas desse processo inflamatório no parênquima renal. O risco desta sequela é maior nas crianças menores de dois anos.
FATORES DE RISCO
- No Quadro 1 você confere os principais fatores:
- Além dos fatores do hospedeiro, também encontramos a presença de fatores de virulência bacterianos que facilitam a ocorrência das infecções urinárias. Diversos mecanismos inerentes aos próprios germes facilitam sua adesão à mucosa urinária, ascensão e lesão ao tecido renal.