IMUNIZAÇÕES
INTRODUÇÃO
O conhecimento de que indivíduos que sofreram determinadas infecções não mais adoecem do mesmo mal deriva da antiguidade. Coube a Edward Jenner, um médico inglês residente na zona rural da Inglaterra, a demonstração de que os indivíduos que ordenhavam leite e tinham cicatrizes de cowpox (varíola das vacas) nas mãos não adquiriam a varíola.
O termo imunidade é proveniente da palavra immunitas, que significa isenção de encargos ou processos legais. Para nós, imunidade significa proteção contra agentes infecciosos. Didaticamente, podemos classificar a imunidade em natural (inata ou inespecífica) ou adquirida (adaptativa ou específica).
Imunidade Natural, Inata ou Inespecífica É a primeira linha de defesa do organismo, formada por sistemas genéricos, não direcionados a um agente especificamente. Pertencem à imunidade inata:
➡️ Barreiras mecânicas: pele e mucosas;
➡️ Barreiras fisiológicas: secreção das glândulas sudoríparas e sebáceas contendo ácidos graxos e ácido láctico; secreção mucosa; atividade ciliar do epitélio respiratório; secreções lacrimal, salivar, biliar e urinária; acidez gástrica; alcalinidade do suco pancreático e peristalse intestinal;
➡️ Flora microbiota normal da pele e mucosas, que impede a colonização maciça por germes patogênicos, principalmente bactérias e fungos;
➡️ Fatores séricos e teciduais: lisozima (ex.: lágrimas, saliva e secreções nasais), lactoferrina, citocinas (TNF, IFN, IL), sistema complemento e resposta inflamatória inespecífica;
➡️ Células fagocíticas: monócitos, neutrófilos polimorfonucleares, macrófagos e células Natural Killers (NK). Estas células se ligam a micro-organismos invasores, os internalizam e, posteriormente, os destroem. Este tipo de resposta, por utilizar sistemas de reconhecimento não específicos, é chamado de imunidade natural, inata ou primária. A resposta primária envolve também os anticorpos (moléculas produzidas pelos linfócitos B) e o sistema complemento. Um grande número de bactérias possui em sua cápsula propriedades antifagocíticas e só conseguem ser ingeridas por fagócitos quando recobertas de anticorpos (imunoglobulinas) ou componentes do complemento. Os polimorfonucleares apresentam em sua superfície receptores para imunoglobulinas e complemento; desta forma, os germes conseguem ser internalizados por estas células;
➡️ Sistema complemento: é um conjunto de proteínas presentes no soro sanguíneo de pessoas normais, enumeradas de 1 a 9 (C1 a C9). Elas são ativadas pela via clássica, a partir de interação com complexos antígeno-anticorpo das classes IgM ou IgG, ou pela via alternativa, por interação direta com lipopolissacarídeos, toxinas bacterianas e outras substâncias. Por não depender de anticorpos, a via alternativa tem grande importância no enfrentamento inicial do micro-organismo agressor;
➡️ Interferon: substância de natureza proteica sintetizada por células de defesa em resposta a uma infecção viral. Atua de modo inespecífico e sua principal função é tentar reduzir a replicação viral.
Imunidade Adquirida, Adaptativa ou Específica É aquela em que pode haver a produção de anticorpos específicos contra um determinado agente agressor e estímulo à formação da memória imunológica. A imunidade adaptativa é efetuada pelos linfócitos B e T. Suas duas características fundamentais são especificidade e memória. Isso permite que a intensidade da reação imunológica seja aumentada a cada novo encontro com o micro-organismo em particular – o sistema imune adaptativo ou específico é capaz de “lembrar-se” do invasor e, desta forma, prevenir novas infecções.
O antígeno é a partícula do agente agressor reconhecida como “estranha” pelo organismo, podendo ser um componente de bactérias, vírus ou fungos. Para que estes agentes produzam doença, devem superar todos os mecanismos de defesa inespecíficos anteriormente descritos, para, então, penetrar na pele ou mucosas e alcançar os órgãos linfoides secundários (linfonodos, baço e nódulos linfoides). Estes micro-organismos são, então, fagocitados por macrófagos ou células apresentadoras de antígenos no tecido periférico; as células apresentadoras de antígenos "viajam" até os linfonodos regionais, tornam-se maduras e os antígenos processados são exibidos na sua superfície celular aos linfócitos, dando início ao processo de imunidade específica.
➡️ Linfócitos T: estes linfócitos sofrem diferenciação no timo e são as células efetoras da imunidade celular. Atuam regulando outros linfócitos T, linfócitos B e outras células envolvidas na resposta imune. A imunidade celular é fundamental para eliminação de infecções intracelulares (ex.: vírus, micobactérias e algumas bactérias) e de células aberrantes (ex.: neoplásicas), além de participar do processo de destruição de células alogênicas (ex.: doença do enxerto versus hospedeiro). Seus receptores celulares existem somente como complexos multiméricos ligados à membrana, em contraste com as imunoglobulinas produzidas pelos linfócitos B, que circulam livremente. Tais receptores de linfócitos T reconhecem os antígenos peptídicos (de proteínas ou glicoproteínas) ligados aos complexos de histocompatibilidade (MHC) na superfície das células apresentadoras de antígenos.
Os linfócitos T naive ou virgens “escaneiam” a superfície das células apresentadoras de antígenos nos linfonodos procurando o complexo MHC/peptídeo. O resultado é a ativação de linfócitos T e aparecimento de várias subpopulações celulares: linfócitos T auxiliares, linfócitos T supressores, linfócitos T citotóxicos, linfócitos T responsáveis pela reação de hipersensibilidade tardia e linfócitos T de memória. Os mediadores das respostas dos linfócitos T são substâncias de baixo peso molecular chamadas linfocinas. Os linfócitos T de memória são os responsáveis pela conservação da “lembrança” contra determinado tipo de infecção, reativando toda a cascata imune diante de um novo contato contra aquele agente específico (resposta secundária ou booster). Os linfócitos T citotóxicos ativados têm a capacidade de lisar a célula infectada quando ela exibe em sua membrana determinado produto antigênico. Por sua vez, os linfócitos T killer lisam células infectadas quando estas estão recobertas por imunoglobulinas, já que possuem em sua membrana receptores para a fração Fc dos anticorpos da classe IgG. Os linfócitos T ativados podem migrar ao tecido periférico infectado ou permanecer nos linfonodos, interagindo com os linfócitos B.
➡️ Linfócitos B: o estímulo e ativação dos linfócitos B resultam na formação de duas linhagens celulares: os linfócitos B de memória e os plasmócitos, sendo que estes últimos são as células responsáveis pela secreção de substâncias antígeno-específicas de alto peso molecular chamadas de imunoglobulinas. Os linfócitos B são os efetores da imunidade humoral e sua “arma” principal são as imunoglobulinas séricas (ex.: IgA, IgG e IgM). No primeiro contato com o antígeno (resposta primária) há um período de latência de alguns dias para que sejam detectados os primeiros anticorpos, geralmente da classe IgM e que desaparecem em semanas a meses, seguidos de IgA e IgG. Os linfócitos B de memória, em um próximo contato com o mesmo agente (resposta secundária), produzirão imunoglobulinas imediatamente, sem período de latência, garantindo a proteção do indivíduo e evitando o desenvolvimento da doença.
A IgA atua principalmente nas mucosas, bloqueando a aderência e penetração dos micro-organismos. A IgA também é encontrada no soro, sendo denominada IgA-sérica. A IgM é a primeira imunoglobulina a ser encontrada no sangue na resposta imune, surgindo cerca de sete a dez dias após o estímulo antigênico; pode ser detectada nos primeiros dias após as manifestações clínicas da doença, tem vida curta e predomina na resposta primária. A IgG passa a predominar na resposta secundária, após nova exposição ao mesmo antígeno. A produção de IgG é fundamental para que haja memória imunológica, isto é, para que, após nova exposição ao mesmo antígeno, haja resposta rápida com elevada concentração de anticorpos. A IgG é a imunoglobulina de maior concentração plasmática, representando cerca de 80% do total das imunoglobulinas séricas. É subdividida em quatro subclasses (IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4). Os anticorpos da classe IgM não atravessam a placenta, motivo pelo qual o recém-nascido tem dificuldades em se defender contra determinados micro-organismos cuja proteção depende dessa classe de imunoglobulina, tal como ocorre com as bactérias Gram-negativas. Os anticorpos da classe IgG atravessam a placenta e conferem proteção passiva ao recém-nascido contra muitas infecções virais e bacterianas, refletindo a experiência imunológica materna. Essa proteção vai caindo gradualmente ao longo dos primeiros meses de vida e desaparece, aproximadamente, até os 15 meses de idade. Anticorpos da classe IgA não atravessam a placenta, de tal modo que a proteção intestinal do recém-nascido depende da IgA secretora presente no leite humano, especialmente no colostro. As IgE têm importante participação na proteção contra doenças parasitárias. Também não atravessam a placenta e são os anticorpos envolvidos em doenças alérgicas.
A imunidade específica pode ainda ser compreendida sob duas lógicas: aquela adquirida de forma natural e aquela adquirida de forma artificial. Toda esta divisão didática é apenas para fazê-lo organizar os conhecimentos.
Na forma natural, a imunidade específica é alcançada de forma ativa, através da doença (infecções sintomáticas) ou de infecções assintomáticas, ou de forma passiva, pela transferência de anticorpos através da placenta (ex.: IgG, mas não IgM) e ingestão de colostro/leite materno.