INTRODUÇÃO
A Desnutrição Energeticoproteica (DEP) é um distúrbio da nutrição (distrofia) decorrente da falta concomitante de calorias e de proteínas, em diferentes proporções. Sua forma primária resulta da combinação de três fatores ambientais: carência alimentar (macro e micronutrientes), falta de acesso a condições sanitárias (água/esgoto) e serviços de saúde (acarretando, por exemplo, quadros prolongados de diarreia), e falta de práticas de cuidados infantis (por exemplo, vacinação, higiene pessoal). As formas secundárias são provocadas por doenças que aumentam as necessidades metabólicas, diminuem a absorção intestinal ou levam à perda de nutrientes (por exemplo, síndromes disabsortivas, malignidades e queimaduras extensas).
Como já dito anteriormente, o período mais suscetível à desnutrição são os primeiros 1.000 dias de vida, e qualquer agravo nutricional neste momento afeta o crescimento e desenvolvimento, trazendo prejuízos futuros.
No capítulo anterior, você já aprendeu a identificar a criança com desnutrição grave através de diferentes classificações nutricionais. Cabe ressaltar que, na ausência de medidas antropométricas, a desnutrição grave também pode ser diagnosticada com base na avaliação clínica, verificando-se a presença de emagrecimento intenso visível; alterações dos cabelos; dermatoses (mais observadas no kwashiorkor), hipotrofia muscular (acometendo, por exemplo, região glútea) e redução do tecido celular subcutâneo.
Agora, chegou a hora de conhecer todas as repercussões que este agravo traz ao organismo.
EPIDEMIOLOGIA
Estima-se que 16% dos nascidos em países de renda média e baixa sejam de baixo peso (< 2.500 g), e cifras maiores ainda são encontradas na Ásia e África. Estima-se que, globalmente, 16% das crianças abaixo dos cinco anos sejam desnutridas. Um levantamento publicado pela Organização Mundial de Saúde no final de 2016, estima a existência de 17 milhões de crianças menores de cinco anos com emagrecimento grave (severe wasting). Houve queda da prevalência mundial da desnutrição, especialmente nos países asiáticos, nas últimas décadas.
Na África, entretanto, a prevalência da desnutrição crônica ainda alcança cifras alarmantes (Figura 1).
Alguns estudos nacionais nos informam o seguinte: os desnutridos no Brasil têm duas origens → os miseráveis, que não dispõem de recurso algum para alimentação da família, e aqueles que, embora tenham recursos materiais para atender à demanda nutricional das crianças, não o fazem por não terem o envolvimento e a capacidade pessoal, histórica e básica para suprir os seus filhos. Cerca de 30% das mães de crianças desnutridas são eutróficas ou obesas! Há uma maior prevalência de desnutrição no segundo ano de vida, porque, apesar do aleitamento “proteger” as crianças, o desmame é feito precocemente e de forma errada. Além disso, as condições sanitárias insatisfatórias e as práticas inadequadas de higiene acompanham a desnutrição, o que favorece a ocorrência de parasitoses, infecções e diarreia. O apetite diminui por causa das dores abdominais e às vezes da febre. A criança passa a comer menos do que o normal e provavelmente menos do que precisa para ter crescimento e desenvolvimento normais.
Além da elevada prevalência, a DEP torna-se, direta ou indiretamente, uma das principais causas de mortalidade e morbidade nas crianças abaixo de cinco anos, período de maior vulnerabilidade. Isso pode ser explicado pela elevada velocidade de crescimento observada nessa faixa etária, com maiores necessidades energéticas e também pela perda paulatina da imunidade passiva ao longo do primeiro ano de vida. O crescimento intrauterino restrito, a falta de aleitamento materno, a carência de zinco, a carência de vitamina A, a desnutrição aguda e a desnutrição crônica contribuem para 45% das mortes em crianças menores de cinco anos.
ETIOPATOGENIA
A desnutrição primária na infância não é apenas o resultado de uma oferta insuficiente de alimentos, mas de uma interação de múltiplos fatores relacionados à pobreza, dentre os quais destacam-se: ➡️ Maior necessidade metabólica na infância, tanto de energia como de proteínas, em relação aos demais membros da família;
➡️ Administração dos alimentos complementares com baixo teor energético e com baixa frequência, alimentos muito diluídos e com higiene inadequada;
➡️ Baixa disponibilidade de alimentos devido a pobreza, desigualdade social, falta de terra para cultivar e problemas de distribuição intrafamiliar;
➡️ As infecções virais, bacterianas e parasitárias repetidas, que podem produzir anorexia e reduzir a ingestão de nutrientes, sua absorção e sua utilização, ou produzir a sua perda;
➡️ Desastres ambientais causados por secas, enchentes ou guerras;
➡️ Desestruturação familiar.
Diversos destes fatores se retroalimentam, estabelecendo um ciclo que se perpetua (Figura 2).